quarta-feira, 21 de julho de 2021 | By: PAULO HENRIQUE TÜCKMANTEL DIAS

Vestígios de Escravidão por Armando Boito Junior

São Paulo, 19 de julho de 2021

Há um vestígio eloquente da escravidão, período terrível da história do Brasil e também de Pirassununga, ao lado da Igreja Nossa Senhora Assumpção e que poderia ser destacado com uma placa informativa no local. A memória histórica da cidade ganharia com tal indicação. Vou explicar a origem e a situação atual desse vestígio que é modesto, mas significativo.

Na década de 1960, havia um coqueiro num dos canteiros do jardim que ladeia a igreja. Esse coqueiro tinha sido uma espécie de pelourinho onde os escravos eram castigados e açoitados. Pirassununga teve peso importante na produção de café e usou abundantemente a mão de obra escrava. O coqueiro já estava bem velho e a prefeitura, na época, se não me engano, de uma gestão do prefeito Lauro Pozzi, tomou uma medida para impedir que o coqueiro histórico caísse. O que, de resto, mostra que a tradição oral, que atribuía ao coqueiro a função de pelourinho, era chancelada pela prefeitura da cidade. Ergueu-se assim um poste de ferro ao lado e bem próximo do coqueiro, foram instalados nesse poste, em intervalos regulares, pequenos braços do mesmo metal que por intermédio de argolas metálicas envolviam o tronco do coqueiro, prendiam-no ao poste e o mantinham ereto. Durante anos a cena ficou assim: lado a lado, o velho coqueiro e o poste de ferro que o sustentava. Chegou, contudo, um momento em que o coqueiro estava muito deteriorado e a prefeitura decidiu pô-lo abaixo, retirando também o poste do local. O monumento desapareceu, mas sobrou algo e esse é o vestígio ao qual me refiro. A mureta que cerca do gramado que ladeia a igreja guardou a memória. O trecho da mureta que margeia a calçada da Rua Coronel Franco na altura do cruzeiro de pedra do jardim, exatamente no ponto onde ficava o coqueiro-pelourinho, esse trecho apresenta um desvio claro e abrupto. Foi o desvio necessário para a mureta contornar o coqueiro que ainda estava lá quando a mureta foi construída. Vestígio insignificante? Não me parece. Aquele desvio, aparentemente inexplicável, oculta algo muito importante: o pelourinho e a escravidão que fizeram parte da história da cidade.

Uma placa indicativa no local evocaria, graças a um detalhe que hoje passa despercebido, parte importante, ainda que triste, da história do Brasil e da cidade. Creio, também, que poderia evocar o dever de combatermos o racismo que ainda persiste na sociedade brasileira. Fica a proposta para a Secretaria de Cultura de Pirassununga.

Armando Boito Jr.

(Professor titular de Ciência Política Unicamp e pirassununguense.)